Entenda a evolução das leis anticorrupção e o que muda com o Decreto nº 11.129/2022, que revoga o Decreto Federal nº 8.420/2015
A primeira lei anticorrupção mais robusta foi o FCPA – Foreign Corrupt Practices Act -, ou “Lei de Práticas de Corrupção no Exterior”, que foi promulgada em 1977 nos EUA e tem origem no famoso Caso Watergate, que aconteceu durante a campanha para a reeleição de Richard Nixon, candidato Republicano ao governo dos EUA. Nixon foi reeleito e investigações posteriores trouxeram à tona práticas nada republicanas do vencedor: contra seu adversário Democrata, ele usara, durante a campanha, informações privilegiadas obtidas por meio de espionagem paga com caixa dois. Seguindo o rastro do dinheiro, os jornalistas investigativos ainda chegaram a um grande esquema de pagamento de propina de cerca de 400 empresas a funcionários públicos estrangeiros, que assegurariam seus negócios fora dos EUA. Isso trouxe à tona a falta de transparência dos registros financeiros dessas empresas, comprometendo a confiança de investidores da Bolsa de Valores e causando grande preocupação sobre o perigo de uma crise no mercado interno norte-americano.
O escândalo culminou com a renúncia de Nixon, em 1974, e com a criação do FCPA, que reúne dispositivos antissuborno e a exigência de registros contábeis precisos e transparentes. De 1977 para cá, vários outros dispositivos foram criados nos EUA e também fora dele, complementando a lei inicial e criando um complexo aparato persecutório que em 1998 ainda recebeu uma emenda para abranger também pessoas físicas e jurídicas estrangeiras que, direta ou indiretamente, praticam atos de corrupção no exterior. Isso ampliou o espectro legal e a extraterritorialidade do FCPA, cuja abrangência desmedida tem sido questionada por especialistas, por considerarem ser instrumento de exercício de poder econômico e político dos norte-americanos no mundo.
O fato é que o FCPA, embora guarde diferenças com a Lei Anticorrupção brasileira, foi fonte de inspiração para sua criação, que se deu apenas em 2013. Até então, no Brasil, a punição era aplicável apenas a pessoas físicas envolvidas em corrupção. A Lei 12846 de 2013 -, que foi regulamentada pelo Decreto no 8420, passou a punir também as empresas com envolvimento em corrupção, estabelecendo que a responsabilidade objetiva é da contratante do agente da corrupção.
Empresas punidas com base na Lei Anticorrupção enfrentam penalidades de graves impactos financeiros, podem ser obrigadas a reparar integralmente os danos causados e seus administradores podem ter seus bens pessoais bloqueados. Suas atividades podem ser suspensas ou parcialmente interditadas e elas podem até mesmo serem compulsoriamente dissolvidas.
Além dos efeitos financeiros, há o desgaste na reputação, que também resulta em prejuízos econômicos. Os frequentes boicotes a empresas que insistem em não se adequar à cultura ESG têm evidenciado o repúdio popular a práticas não íntegras.
Em 18/07/2022, entrou em vigor o Decreto Federal nº 11.129/2022, que regulamenta a “Lei Anticorrupção” e revoga o Decreto Federal nº 8.420/2015.
O Novo Decreto aumenta as multas para casos de corrupção, de corrupção continuada, de tolerância ou ciência do corpo diretivo ou gerencial e de reincidência. Também recrudesce o ressarcimento do ato lesivo de acordo com o valor dos contratos por ele afetados. Em contrapartida, reduz as multas nos casos de infração não consumada, de ressarcimento espontâneo dos danos e da existência de um Programa de Integridade robusto no momento da infração.
O Novo Decreto também institui uma metodologia mais sofisticada que estima com mais precisão o valor da vantagem indevida obtida pela empresa infratora em decorrência do ato lesivo.
Os parâmetros de avaliação do Programa de Integridade são mais bem detalhados, assim como os objetivos do acordo de leniência. Há regras mais claras para a contratação e supervisão de terceiros, para doações e patrocínios e o Decreto estipula ressarcimento dos danos causados também em outros processos relativos ao principal.
As regras e procedimentos para a investigação preliminar e para o Processo Administrativo de Responsabilização também estão mais pormenorizadamente detalhadas e estabelecem que violações à Lei Anticorrupção que também representem violação à Nova Lei de Licitações e a outras normas de licitações e contratos da administração pública serão julgadas em conjunto, nos mesmos autos do PAR.
Assim, fica muito claro que a legislação tem evoluído no sentido de punir com mais rigor os infratores e também no sentido de estimular práticas de integridade. No Brasil de hoje não há mais espaço para empresários e administradores que não respeitem as regras do jogo. A implantação de um sério Programa de Compliance se faz mais necessária e urgente do que nunca.
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Fontes
ConJur – Opinião: O Foreign Corrupt Practices Act e a Loi Sapin II
ConJur – “Lava jato” usou norma dos EUA para punir empresas brasileiras
Introdução | FCPAméricas (fcpamericas.com)
LEC | Decreto nº 11.129/2022 – Regulamentando a “Lei Anticorrupção”LEC | FCPA e Lei Anticorrupção — Entenda as Diferenças!